"Apocalipse nos Trópicos" (2024) e "The Family: A Democracia Ameaçada" (2019) são dois documentários que mergulham na intrincada e por vezes sombria relação entre a fé evangélica e o poder político. Ambos são incisivos em suas análises, mas qual deles é o mais "ácido" em sua crítica? A resposta reside nas nuances de suas abordagens e nos contextos políticos que exploram.
"Apocalipse nos Trópicos" (2024): A Ferida Aberta da Política Brasileira
Dirigido por Petra Costa, conhecida por seu olhar crítico e pessoal em "Democracia em Vertigem", "Apocalipse nos Trópicos" foca na ascensão da influência evangélica radical na política brasileira, culminando nos eventos que levaram ao governo de Jair Bolsonaro e seus desdobramentos. O documentário investiga como a religião foi instrumentalizada como arma política, alimentando um extremismo e um discurso de ódio.
Por que é "ácido":
- Crítica Direta e Explícita: O filme não se esquiva de apontar a manipulação religiosa por lideranças de extrema-direita, mostrando como figuras como Silas Malafaia exerceram forte influência sobre o ex-presidente Bolsonaro e a agenda política. A análise da "teologia apocalíptica" sendo usada para interesses políticos é bastante frontal.
- Contexto de Crise e Polarização: Ao abordar o Brasil em um momento de profunda crise democrática e social (incluindo a pandemia), o documentário expõe a fragilidade das instituições diante de uma agenda religiosa que busca o poder. Isso gera uma sensação de urgência e denúncia.
- Conexão com Eventos Recentes: Por tratar de um período tão recente e traumático para a democracia brasileira, o filme toca em feridas ainda abertas, o que naturalmente torna sua crítica mais pungente e, para muitos, "ácida" por sua proximidade com a realidade vivida.
- Estilo Autoral: Petra Costa tem um estilo que mistura o pessoal com o político, o que pode dar uma carga emocional maior às suas observações, tornando-as mais impactantes e, para alguns, mais incômodas.
"The Family: A Democracia Ameaçada" (2019): Os Bastidores Secretos do Poder Global
A minissérie documental da Netflix, "The Family", baseada no livro de Jeff Sharlet, investiga a obscura e secreta organização cristã conservadora conhecida como "A Família" (ou "The Fellowship"). O documentário expõe como este grupo exerce influência política nos mais altos escalões do governo americano e em líderes mundiais, através de redes de contato e uma teologia que, segundo a série, fetichiza o poder.
Por que é "ácido":
- Revelação de Segredos: O caráter "ácido" de "The Family" reside em desvendar uma organização que opera nas sombras, revelando práticas de lobby discreto, encontros secretos e uma teologia que, segundo o documentário, distorce os ensinamentos cristãos para justificar a busca e manutenção do poder.
- Crítica à Hipocrisia e Manipulação: O documentário critica a forma como "A Família" supostamente utiliza a fé e a retórica religiosa para seus próprios fins políticos, mostrando como líderes seculares e religiosos são cooptados para uma agenda que transcende fronteiras e ideologias partidárias.
- Exposição de Controvérsias: A série aborda escândalos e controvérsias envolvendo membros ou associados do grupo, o que reforça a natureza crítica da investigação.
- Escopo Global: Ao mostrar a atuação da "Família" em diversos países, o documentário sugere uma conspiração de influência global, o que pode ser percebido como uma denúncia mais abrangente e, portanto, mais "ácida" em sua escala.
Qual é o Documentário Mais Ácido?
Ambos os documentários são profundamente críticos e "ácidos" em suas análises sobre a influência de evangélicos na política. No entanto, a intensidade da "acidez" pode ser percebida de forma diferente:
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"Apocalipse nos Trópicos" tende a ser mais visceral e diretamente confrontador com a realidade política que se desenrolou em solo brasileiro. Sua acidez vem da urgência e da proximidade com a tragédia democrática e social que muitos espectadores brasileiros vivenciaram e ainda estão processando. Ele se concentra na instrumentalização pública e na manipulação de massas.
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"The Family: A Democracia Ameaçada" é "ácido" por sua capacidade de desvendar os bastidores e os métodos mais secretos e conspiratórios de influência política. Sua acidez deriva da revelação de uma teia de poder que opera nas sombras, influenciando líderes globalmente através de uma teologia elitista e por vezes distorcida. Ele foca na influência oculta e sistêmica.
Portanto, a escolha do "mais ácido" é subjetiva, mas podemos argumentar que:
- Para um espectador brasileiro que viveu os eventos recentes, "Apocalipse nos Trópicos" pode ser mais "ácido" por sua relevância imediata e visceralidade ao tocar em feridas abertas.
- Para um espectador que se interessa por como o poder religioso se manifesta em esferas mais ocultas e em escala global, "The Family: A Democracia Ameaçada" pode ser percebido como mais "ácido" por sua natureza investigativa e reveladora de mecanismos de influência velados.
Ambos são documentários importantes que expõem as complexidades e os perigos da fusão entre fé e política quando esta última busca o poder a qualquer custo. O "ácido" de um é o calor da denúncia do que está à mostra; o do outro é o frio da revelação do que está escondido.
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